Como diz Thomas Berry, “quebrámos a grande conversa” e assim “despedaçámos o universo”. Estamos apenas a falar connosco próprios, humanos, e cada vez mais virtual, mais dissimulada e menos profundamente. Na verdade, estamos sobretudo a tornar-nos cada vez mais autistas, fechados num monólogo ensurdecedor com os nossos pensamentos, emoções, projectos e preocupações. Essa é a raiz de muitos desastres, com maior evidência para o ecológico, mas com não menor impacto no sentimento de solidão que nos avassala, a sós ou acompanhados.
Há que reatar a “grande conversa”. Em vez de vivermos isolados no nosso ruído mental e emocional, silenciar a mente para escutar e contemplar a portentosa e prodigiosa vida do universo da qual somos inseparáveis. Escutar e contemplar, seus arrogantes filhos mais recentes, as coisas primordiais, vastas e profundas. O uivo do vento, o cair da chuva, as estranhas formas das nuvens, o brilho dos astros, o rumor do oceano, o silêncio da terra, o crepitar do fogo, o ondulante murmúrio das florestas, o canto da matéria obscura, a luz, as sombras e as trevas do mundo.
Escutar e contemplar também os nossos irmãos na grande aventura cósmica, os animais, a cuja grande família pertencemos. O saltitante ladrar do cão, o dengoso miar do gato, os voos e gritos longínquos das gaivotas, o uivo e o brilho nos olhos dos lobos, o bramido e a marcha majestosa dos elefantes, o sinuoso rastejar e sibilino silvo das serpentes, o suspenso zumbido das abelhas, o lento e húmido rastejar do caracol.
Contemplar e escutar na multidão de formas e movimentos do Grande Todo a revelação contínua de quem realmente somos, este ser ilimitado que as porosas fronteiras da pele de um corpo humano não podem conter. Captar as mensagens que em linguagens e línguas múltiplas constantemente se nos dirigem, expressando ideias, sentimentos, sensações e propósitos para os quais as rudimentares mentes e línguas humanas não têm conceitos nem palavras. Despertar. Deixar de ser surdos e cegos para a grande conversa e convívio cósmicos.
Escutar a voz da terra, das fontes, dos rios, das plantas, das pedras, do vento, dos planetas, das estrelas. A voz da formiga e da aranha, do cavalo e do javali, do tigre e da borboleta. E falar então, falar com tudo e com todos. Falar com os rios, as tartarugas e os peixes, os montes, as codornizes e os lagartos, os bosques, os pássaros e os esquilos, as montanhas, as águias e os ursos, as grutas, as salamandras e as lesmas, as florestas, a lua e as corujas, os mosquitos, os charcos e o sol. Falar com palavras e em silêncio, confidenciar-lhes a nossa intimidade e sermos fiéis confidentes da sua. Escutar, dialogar e cantar no coro das vozes do mundo, delas aprendendo tudo o que se não ensina nas escolas por esse magistral verbo íntimo que por todas perpassa, sentindo inseparáveis de nós as presenças e vidas invisíveis e sagradas que em todas se manifestam.
Abrir e alargar a consciência da estreita sociedade dos humanos para a imensa comunidade e comunhão cósmicas. Os cegos, surdos e mudos que só vêem, ouvem e falam à escala humana, os débeis de espírito que só lêem e compreendem livros e coisas escritas e se encerram nas artes, ciências e letras, os estreitos de coração que só trocam afectos com o animal humano, os falhos de comunicação que a limitam à tecnologia e aos media, poderão chamar-te louco e rir-se de ti, mas esse é o ridículo preço a pagar por te curares da loucura que eles têm por normalidade e entrares livre de amarras na Grande Empatia, na Grande Conversa e na Grande Lucidez.